terça-feira, 24 de abril de 2012

ASSINALANDO O 24 DE ABRIL

Hoje é dia 24 de Abril, data que alguns prefeririam comemorar, gente que ao longo destes anos tudo tem feito para apagar o significado da Revolução dos Cravos. Ultimamente chegaram ao ponto de afirmar que depois de 74 se gastou o que Salazar tinha poupado, segundo estes neo-fachos o Professor deixou aos portugueses enormes reservas de ouro que os comunas se encarregaram de delapidar.
Sim, é verdade: a riqueza acumulada pelo Estado Novo é indesmentível, mas não há qualquer dúvida que a maioria da população foi roubada para que alguns se locupletassem. País de cofres cheios e de estômagos vazios: "no meu tempo uma sardinha dava para três...".

Comemorei o oitavo aniversário 3 meses antes da revolução, mas desse curto tempo de vida lembro-me do sofrimento de gente com quem me cruzei.

Lembro-me bem que o medo era uma realidade palpável, tinha eu uns 5 anos e vinha subindo a Casal Ribeiro, a minha mãe protestava ruidosamente por no supermercado lhe terem pedido dinheiro pelo saco de plástico (1 escudo?), invetivava publicamente o Presidente do Conselho e eu chorando olhava à minha volta receando que aparecesse alguém para a calar.

Lembro-me bem desses dias de chumbo, da escola com o crucifixo na parede ladeado das fotografias de Tomás e Caetano. Da cacofonia na sala de aulas com a professora ensinando em simultâneo a primeira e a quarta classe, assim tinha de ser pois rapazes e raparigas andavam em escolas diferentes.

Lembro-me de visitar os meus avós maternos no Minho e de ver o meu avô abrir toda a correspondência dirigida à minha avó, que era das poucas mulheres mais velhas que sabia ler. Lembro-me das casas da aldeia não terem retretes.

Lembro-me do sr. Alfredo e das histórias que se contavam entre dentes, a sua mulher queria separar-se por maus tratos (não havia direito a divórcio) sem que ele o permitisse, um belo dia tendo o minhoto surpreendido a cara-metade a "por-lhe os cornos" lava a honra com sangue esfaqueando-a mortalmente. "Apanhou" pena suspensa, coisa vulgar nessa época, especialmente na província. A Mulher era então um ser em perpétua menoridade.

Lembro-me das campanhas de  prevenção da cólera logo a seguir ao 25 de Abril, o país sofrera surtos regulares desde 1971. Afinal não era um estado civilizador, como então se dizia, mas objetivamente uma nação do Terceiro Mundo.

Ainda sobre o país do 24 de Abril  não posso deixar de citar o artigo de Isabel do Carmo no Público intitulado Vamos Lá Empobrecer:
"O primeiro-ministro anunciou que íamos empobrecer, com aquele desígnio de falar "verdade", que consiste na banalização do mal, para que nos resignemos mais suavemente. Ao lado, uma espécie de contabilista a nível nacional diz-nos, como é hábito nos contabilistas, que as contas são difíceis de perceber, mas que os números são crus."
(...)
"Na terra onde nasci, os operários corticeiros, quando adoeciam ou deixavam de trabalhar vinham para a rua pedir esmola (como é que vão fazer agora os desempregados de "longa" duração, ou seja, ao fim de um ano e meio?). "
(...)
"Nesse país morriam muitos recém-nascidos e muitas mães durante o parto e após o parto. Mas havia a "obra das Mães" e fazia-se anualmente "o berço" nos liceus femininos onde se colocavam camisinhas, casaquinhos e demais enxoval, com laçarotes, tules e rendas e o mais premiado e os outros eram entregues a famílias pobres bem-comportadas (o que incluía, é óbvio, casamento pela Igreja). "
(...)
"Na província, alguns, poucos, tinham acesso às primeiras letras (e últimas) através de regentes escolares, que elas próprias só tinham a quarta classe. Também na província não havia livrarias (abençoadas bibliotecas itinerantes da Gulbenkian), nem teatro, nem cinema. "
(...)
"Eu vivi nesse país e não gostei. E com tudo isto, só falei de pobreza, não falei de ditadura. É que uma casa bem com a outra. A pobreza generalizada e prolongada necessita de ditadura. Seja em África, seja na América Latina dos anos 60 e 70 do século XX, seja na China, seja na Birmânia, seja em Portugal "

Eu também vivi nesse país e não gostei porque me lembro. É preciso que todos tomem consciência da nossa história recente, o "custe o que custar" de alguns políticos pode fazer-nos recuar pelo menos 4 décadas.

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